Renner terá que se retratar publicamente com vítima de racismo

Vítima diz que pedido de desculpas vai lavar a alma de toda pessoa preta injustiçada nesse espaço
Por Leandra Lima / Foto: Reprodução/ Redes Sociais
O Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, através da 1ª Vara da Comarca de Três Rios, Areal e Levy Gasparian, condenou a Loja Renner a pagar R$ 15 mil, a título de danos morais, para Vitor Oliveira da Silva, jovem que sofreu racismo dentro da loja de departamento da marca, localizada no shopping Pátio Petrópolis, Região Serrana do Rio. Além de efetuar o pagamento, a loja terá que fazer uma retratação pública, com fixação de texto nos destaques do feed do Instagram e site oficial, em cartaz, no tamanho A1, a ser exposto na entrada da loja onde os fatos ocorreram, devendo todas as modalidades de retratação serem mantidas pelo período de 90 dias.
O ato racista ocorreu em 6 de junho de 2023, a vítima conta que foi até a loja com a finalidade de comprar roupa para uma festa, e após realizar o pagamento do produto escolhido, dirigiu-se à saída da loja, onde foi abordado imediatamente por quatro seguranças e obrigado a expor seus pertences, esvaziando as bolsas que carregava, o que lhe causou extremo constrangimento. Na ocasião, o jovem relatou ao Correio a situação: “eu fui abordado por seguranças da loja e do shopping, que me acusaram de ter roubado uma calça. Tinha comprado o produto em outra loja, que estava na sacola identificada. Mesmo assim, precisei esvaziar a bolsa e mostrar o produto para que ficasse comprovado que eu não tinha roubado. Os seguranças verificaram a etiqueta e chamaram a vendedora que havia permitido que eu experimentasse a calça com a blusa vendida no estabelecimento que eu compraria. Ela negou que eu roubei a roupa, mas o segurança disse que tinha certeza que eu tinha cometido o crime”, conta.
Diante do resultado da sentença, o advogado da vítima, Douglas Oliveira da Silva, expressou que a retratação pública concedida considerou que o dano experimentado por Vitor transcende aos autos e atinge todo consumidor preto. “Enquanto advogado preto e suburbano, sinto que cumpri com o meu propósito: dar voz e garantir a respeitabilidade social aos meus”, disse. Douglas representa gratuitamente pessoas vítimas de racismo e homofobia no estado.
Vitor Oliveira, também se pronunciou. “Eu entrei na loja para comprar uma roupa, mas o meu passeio enquanto consumidor foi criminalizado. Para Loja eu, preto retinto, só poderia ser suspeito de furto. Paguei pelo meu suéter e não joguei a nota fora por causa das orientações que sempre recebi em casa, assim pude provar a minha inocência. Sou grato pela sentença, pela responsabilização da loja, mas para mim a maior vitória é a retratação pública, o pedido de desculpas que vai lavar a alma de toda pessoa preta que já se viu perseguida naquele ambiente. Lojas racistas não passarão!”, enfatizou.
Ainda na sentença, o juiz também lamentou o ocorrido, “em pleno século XXI, a sociedade ainda é obrigada a conviver com a nódoa lamacenta do racismo, que tanto sofrimento já causou ao longo da história deste país. Face ao contexto da situação, que transcende o presente processo, e a fim de se restaurar a dignidade do autor, que foi publicamente constrangido ao ter seus pertences revistados sem motivo plausível, justo o pedido de retratação, por aplicação analógica da Lei nº 13.188/2015[…]”
O caso demonstra a realidade cotidiana das pessoas pretas no Brasil e na Cidade Imperial. Petrópolis ocupa a posição de terceira cidade com mais casos de denúncias de racismo, registrados entre 2018 e 2019, isso é o que apontam os dados do Dossiê de Crimes Raciais (ISP/RJ), divulgado em 2023. Conforme o Dossiê, o racismo não se manifesta somente nas relações individuais, mas também se reproduz e cria mecanismos institucionais e estruturais que hierarquizam as relações racialmente, seja no âmbito da saúde, da educação, do mercado de trabalho ou da segurança.
Esses mecanismos apresentados são o retrato de um país que foi o último no mundo a dar “liberdade” para os escravizados. Hoje fazem 136 anos da “abolição da escravidão”, um dia para refletir sobre os percalços que o processo escravista reverbera na sociedade, e em como o corpo social enxerga a comunidade negra hoje, já que, na época, o período pós escravidão se tornou uma fase de exclusão e marginalização do povo negro, o regime político não se responsabilizou em criar condições para inserir essas pessoas na sociedade de forma digna. E foi nesse cenário que o Brasil cresceu na estrutura racista que invisibiliza corpos negros. Esse quadro é perceptível nos dias atuais, ainda há uma carência em políticas públicas, a desigualdade assola a comunidade e o racismo prejudica o desenvolvimento de jovens e crianças negras.