Mulheres negras morrem mais durante parto do que brancas

Mães pretas são vistas pela sociedade como seres resistentes a dor
*Leandra Lima
Durante muito tempo negros foram considerados pessoas sem alma, através dessas percepções muitas concepções erradas ligadas aos corpos negros foram criadas fazendo com que eles fossem violentados por conta de sua estrutura física que muitos consideravam inabaláveis. Homens pretos considerados fortes, eram submetidos a trabalhos árduos, já as mulheres por conta de seus quadris largos e peitos avantajados eram tratadas como procriadoras e resistentes a dor do parto. Muitos desses conceitos circulam até hoje no meio social afetando a saúde da comunidade negra. Um recente estudo feito pelo o Ministério da Saúde em conjunto com a Fiocruz mostra que a morte de mães negras é duas vezes maior que a de brancas.
Dados da pesquisa apontam que, em 2022, enquanto o número de mortes maternas está em 46,56 para mulheres brancas, no caso das mulheres pretas, é mais que o dobro: 100,38 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. No caso das pardas, a incidência é de 50,36. Nos anos de 2020 e 2021, durante a pandemia de covid-19, a diferença também foi significativa: em 2021, a Razão de Mortalidade Materna (RMM) ficou em 194,8 no caso das mulheres negras (127,6 em 2020); 121 para brancas (64,8 em 2020) e 100 para pardas (68,8 em 2020). Segundo o Ministério, considerando o recorte de mulheres pretas, é importante destacar que dados similares foram registrados em um período muito anterior à pandemia, em 2016, mulheres pretas somaram 119,4 mortes de 100 mil nascidos vivos contra 52,9 em brancas.
“A violência contra as mães negras começa antes do parto, durante a gestação elas já vão sofrendo micro agressões durante o pré-natal e os outros procedimentos. A equipe médica olha esses corpos como resistentes à dor, é isso acaba negligenciando a saúde tanto física como mental dessas mulheres, elas ficam horas esperando pelo tratamento, e acabam sendo passadas pelas mulheres brancas. Esse ato pode causar grandes traumas nessas mães.”, comenta a psicóloga petropolitana Keila Braga.
Keila explica que por conta do trauma muitas mães acabam desenvolvendo uma reação, fazendo com que fiquem receosas de terem outro filho e assim podem desenvolver uma condição super protetiva com a criança que passou todo o processo com elas. Nesse processo as mulheres blindam suas crias. “A falta de cuidado entrelaçado com a falsa ideia de que pessoas negras são resistentes à dor, levam as mulheres pretas a morrer durante o parto”, disse.

O estudo feito pelas instituições relembra um caso que retrata bem o racismo e mortalidade materna de mulheres negras, trazendo à tona a história de Alyne da Silva Pimentel Teixeira, que morava no bairro de Belford Roxo, no Rio de Janeiro. No dia 14 de novembro de 2002, Alyne, negra e com 28 anos, estava no sexto mês de gestação, quando buscou assistência na rede pública de saúde, com dores abdominais e náuseas. Após ser mandada de volta para casa pela primeira vez, voltou ao hospital e foi constatada a morte do feto. Após horas de espera, foi submetida à cirurgia, o quadro se agravou e sua transferência para outro hospital foi indicada. Na outra unidade médica, esperou horas no corredor e faleceu dois dias depois, por conta de uma hemorragia digestiva resultante do parto do feto morto.
Hoje, 21 anos depois, esse problema persiste, 19,8% das mulheres pardas e 18,7% de pretas tiveram que peregrinar para conseguir atendimento médico contra 14% de brancas. Frente aos números destacados pela pesquisa, o Brasil assumiu uma meta junto às Nações Unidas de redução das mortes para 30 até 2030
A violência obstétrica está presente no cotidiano das mulheres negras, isso tem a ver com o racismo estrutural que criou preconceitos que ferem a integridade, dignidade e saúde delas, frases como “ela tem o quadril largo, não precisa de anestesia, a criança vai sair fácil”, “espera aí o bebe vai sair quando é para sair, gente da cor aguenta dor”, ou “não grita, tá fraca” são ouvidas a todo momento em corredores de hospitais no país.
Diante deste cenário de violência direcionado às mães negras é importante que os órgãos públicos pensem em políticas públicas específicas e efetivas voltadas à segurança e dignidade dessas mulheres, buscando a não exclusão dos direitos de se ter um parto saudável.
*Estagiária